É bom lembrar que a liminar do ministro Dias Toffoli que desfez a nomeação do jornalista Laerte Rimoli e determinou o retorno de Ricardo Melo ao posto de diretor-presidente da EBC não tem caráter definitivo. Pelos aspectos políticos envolvidos, pode-se imaginar que nos próximos dias os advogados do governo interino de Michel Temer apresentarão recurso para tentar levar a decisão a plenário, esperando colocar a discussão para ser resolvida em caráter definitivo pelo colegiado do STF.
Até lá, no entanto, vale a decisão de Toffoli, que deve ser celebrada como uma vitória importante das regras do Estado Democrático de Direito contra um ato arbitrário, que o presidente interino Temer assinou apenas cinco dias depois de empossado. Embora mudanças repentinas no primeiro escalão do governo interino não sejam uma novidade de chamar tanta atenção, três semanas depois da posse, neste caso há uma diferença importante. Desde sua chegada ao Planalto, em 12 de maio, Temer perdeu dois ministros de Estado, afastados por razões políticas. Apanhados em gravações onde foram flagrados num comportamento impróprio para quem iria exercer funções no primeiro escalão da República, não tinham condições para permanecer no cargo. Os protestos também forçaram a recriação do Ministério da Cultura, rebaixado a secretaria numa primeira versão de reforma ministerial.
A decisão que conduz Ricardo Melo de volta a seu posto tem outra origem. Representa uma medida essencialmente jurídica e, neste aspecto, contém um aspecto mais relevante como sinal político.
"A decisão, embora provisória, deve ser aplaudida e intensamente comemorada", afirma o advogado Marco Aurélio de Carvalho, que atuou na causa junto ao STF. "Hoje é um dia de festa, quando se restabeleceu a segurança jurídica e a ordem constitucional."
O Mandato de Segurança questiona uma decisão que contrariava aquilo que os juristas definem como um ato jurídico perfeito. Nomeado pela presidente Dilma Rousseff, então no pleno gozo de suas atribuições, Ricardo Melo foi empossado para cumprir um mandato de quatro anos dentro de regras definidas pelo Estatuto o Social da EBC -- decreto 6689/2008 e Lei 11 652/2008.
A demissão de Ricardo Melo não respeitou um traço essencial do funcionamento da EBC. Criada como uma emissora pública, o estatuto da empresa prevê duas medidas destinadas a evitar um vício bastante conhecido, que é sua transformação em máquinas de propaganda a serviço de governantes. Uma das medidas prevê que tenha fontes autônomas de financiamento. A outra, que tem a ver diretamente com o caso, assegura estabilidade de seus dirigentes, mediante previsão de mandatos fixos, e não coincidentes com os governos de plantão, impedindo que sejam pressionados politicamente para conduzir seu trabalho de forma favorável a quem garantiu seus postos.
Assim, nomeado em 2016, Ricardo Melo tem o direito de permanecer no posto até 2020, quando tiverem transcorridos dois anos da posse do presidente a ser eleito em 2018. Sua autonomia é tão grande que, mesmo em caso de falta grave, o estatuto exige que a decisão seja aprovada em duas votações do Conselho Curador da empresa.
"E é justamente este ponto que está sendo violado!", alega o mandato de segurança, que acrescenta: "a letra clara e soberana da lei de criação da EBC está sendo solenemente desconsiderada pelo Exmo. Sr. Presidente Interino da República."
A tradição ensina que é difícil prever decisões finais da Justiça. Um ditado popular lembra que seus mistérios são tão imprevisíveis como barriga de mulher grávida. A solidez da decisão a favor de Ricardo Melo, no entanto, apoia-se num dos principais objetivos da Justiça, que consiste em assegurar a "segurança jurídica" da vida em sociedade.
Este princípio tem implicações importantes. Uma delas é que mesmo que o estatuto da EBC venha a ser modificado no futuro, sabe-se lá se isso irá ocorrer um dia, suas mudanças não podem ter efeito retroativo.
"Temos crença de que esta decisão será mantida no mérito, evitando que se materialize uma medida ilegal, verdadeiramente escandalosa, por parte de um governo interino que tanto mal já fez a este país", afirma o advogado Marco Aurélio de Carvalho.
A falta de base legal para o afastamento de Ricardo Melo era uma questão que ocupava discussões reservadas entre os próprios aliados do governo interino desde o primeiro dia. Chegou-se a cogitar que seria possível tentar dar uma cobertura legal à decisão a partir de uma Medida Provisória, a ser preparada de improviso.
A derrota dessa intervenção, mesmo através de uma liminar, mostra que a base jurídica para o mandato do presidente é mais sólida do que queria dar a entender.
A decisão de apresentar um mandado de segurança ao Supremo demonstrou a vontade de resistir -- na forma da lei -- perante um ato considerado injusto. As seguidas manifestações de protesto contra a intervenção na EBC demonstraram a atenção crescente de parcelas inteiras da sociedade sobre os rumos da mídia.
Também confirmaram a aprovação de uma parcela significativa de brasileiras e brasileiros ao jornalismo exibido pela EBC nos últimos tempos, tentando construir uma opção ao pensamento único formado pelo monopólio dos grandes grupos de mídia.
Um ponto deve ficar claro, porém: a base da liminar é essencialmente jurídica. Aceitar a interrupção do mandato de Ricardo Melo seria equivalente a cassar um direito legítimo -- o que até se vê em ditaduras, mas não se pode aceitar nas democracias.